Violência disruptiva.

abr 27, 2023 by

Violência disruptiva.

“A incerteza persiste em nosso entorno mais próximo.”

Nas últimas semanas a sociedade vivenciou, perplexa, ao menos dois crimes injustificáveis, cruéis e cometidos com extrema violência em ambientes escolares. Em São Paulo, uma professora foi esfaqueada e morta em ataque promovido por um único aluno, que durante a ação, ainda feriu quatro pessoas. Dias depois, a barbárie alcançou Blumenau em outra ação incompreensível aos olhos dos seres humanos, e em que uma creche foi atacada. O assassino, que não tinha vínculo algum com a instituição ou pessoas a ela interligadas, vitimou quatro crianças, além de ferir outras cinco.

A empatia gerada pelo sofrimento de mães, pais, familiares próximos, colegas, professores e profissionais das duas comunidades escolares, foi adicionada à percepção de desalento vivenciada em âmbito nacional a partir de inúmeros e recorrentes acontecimentos potencialmente traumáticos (assassinato de toda uma família, no Distrito Federal, tragédia nas terras Yanomami e deslizamentos no litoral paulista, e sequelas da pandemia, para citar poucos), que irromperam percepção de tristeza, desamparo e receio amplificado, em escala para afetar pessoas por todo o país.

A perspectiva é assustadora e não surpreende. Diante do impacto emocional causado pela sensação de sujeição inevitável à violência em nível tão agudo, a possibilidade de adoecimento psíquico fica potencialmente aumentada. Ou seja, cresce a parcela da população que sofre abalo intenso a ponto de não conseguir reagir à adversidade e poderá adoecer.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) e a Rede Ibero-americana de Ecobioética alertam, há quase duas décadas, que não basta acolher as pessoas diretamente afetadas, proporcionando-lhes pronto atendimento. É indispensável oferecer suporte especializado em Saúde Mental às populações expostas em ambientes “disrutptivos” (ou seja, realidades violentas e incontroláveis, que não contemplam referenciais para serem assimiladas pela mente das pessoas e, que poderão ser interiorizadas de modo prejudicial), como por exemplo: guerras, grandes crises econômicas e humanitárias, terrorismo, desastres naturais e violência extremada, entre outros.

Enquanto profissionais especializados em saúde em contexto amplo, o desafio que ora se apresenta é oferecer suporte que busque prevenir o adoecimento psíquico em grande escala. Populações, sãs por definição, mas que foram e continuam sendo inadvertidamente expostas em ambiente tóxico. O Estado deve ser ágil na mobilização humana e de suporte em Saúde, afim de intervir para evitar o pior. As consequências da vida imersa no entorno ameaçador que observamos dia após dia, irão além dos efeitos arrebatadores imediatos, inerentes à cada tragédia. Após anos de normalização doentia sobre situações cotidianas que nos afetam, é possível, inclusive, observar que o momento atual já representa o resultado da opção pelo descaso, e a incapacidade da sociedade contemporânea em compreender e ser resiliente quanto à realidade complexa em que vivemos.

A violência, o desamparo e a incerteza disruptiva que cresce entre a população já deveria estar sob intervenção. Estamos atrasados em transformar legislações em ações permanentes, desengavetar projetos e atuar, de fato.