Diagnóstico apressado
Artigo publicado em fevereiro de 2011.
José T. Thome
Estudos indicam que um em cada quatro indivíduos submetidos a catástrofes desenvolvem TEPT nos meses e anos posteriores ao evento1. Porém, diagnosticar que uma pessoa sofra com o transtorno, durante o pronto atendimento ou nos abrigos improvisados, nos dias em que o desastre ainda está acontecendo, parece-me leviandade.
TEPT faz parte do grupo dos transtornos psiquiátricos predominante na população em geral2-3. E segundo a última revisão do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DSM-IV, classificam-se apenas cinco variações de Transtornos de Ansiedade: TEPT, transtorno obsessivo-compulsivo – TOC; transtorno de ansiedade generalizada – TAG, transtorno do pânico / fobia social – FS; e fobias específicas4.
Especificamente o TEPT, está relacionado à existência de um evento / trauma, de grande relevância na percepção subjetiva do paciente, e que no passado, o expôs a uma situação real de ameaça. E esse evento pode sim ser exemplificado, entre outros, por deslizamentos e enchentes como as que ocorreram no estado do Rio. Entretanto, a pessoa com TEPT, sofre através de persistentes visões em flashback da situação traumática que viveu; e pode apresentar insensibilidade e reação comportamental incompatível, em situações que não representam perigo real; meses e/ou anos após a ocorrência do trauma. Ou seja, uma pessoa que teve a infelicidade de vivenciar o desastre na serra fluminense, por exemplo, poderá, no futuro, relembrar a situação dramática que enfrentou e reagir emocionalmente durante um simples dia de chuva.
Ao analisar os pacientes que sofrem TEPT, é possível verificar que há correspondência entre as suas reações comportamentais e emocionais, e os estímulos externos que recebe. Ou seja: lugares, clima, contexto, pessoas. E nessa condição, conforme a semelhança que a percepção subjetiva do paciente interprete em uma situação, ela poderá desencadear a mesma reação, emocional e física, vivenciada no momento do trauma.
Como ser humano e profissional especialista em traumas causados pelo disruptivo, acredito que qualquer pessoa saudável tem o direito de se sentir emocionalmente desestabilizada, por determinado período, quando submetida às consequencias de uma catástrofe. Essa pessoa, que durante o evento extremo, viveu a experiência de perder familiares e/ou amigos, a própria casa e referências de vida, ficou exposta ao perigo de morte, fome e desabrigo, não deve ser diagnosticada como afligida em Saúde Mental. E acredito nisso porque não é sua percepção subjetiva da realidade que está afetada, mas sim, a própria realidade.
Faço parte de uma corrente de pensamento, que não se satisfaz em buscar exclusivamente na pessoa afetada pela catástrofe e exposta a tão desorientadora realidade, a desordem de ordem psíquica que possa ser qualificada como doença; nem tampouco em aguardar que esse estresse emocional, temporário, evolua para o real quadro de desajuste e adoecimento. Aí sim, poderá ser TEPT.
Se há consenso que a exposição de indivíduos saudáveis em eventos desorganizadores apresenta alto potencial de adoecimento físico e desequilíbrio emocional, parece-me sensato admitir que o diagnóstico TEPT, nessas circunstâncias, é ineficiente em propor tratamento e evitar que pessoas sãs desenvolvam transtornos de ansiedade. Por isso, partilho da proposta do Dr. Moty Benyakar5, ao admitir o diagnóstico diferencial de Transtorno por Disrupção, onde se incluem os quadros depressivos. E defendo o direcionamento: oferecer atendimento assistencial continuado às populações afetadas por catástrofes, durante os anos seguintes ao evento, com o objetivo de prevenir o desenvolvimento de adoecimento.
É simples e imprudente, usar o diagnostico precoce de TEPT em avaliações por escalas, que pontuam sintomas, sem considerar os fatores humanos envolvidos nos desastres.
José Toufic Thome
Psiquiatra-Psicoterapeuta (ABP/AMB)
CRM 16619
REFERÊNCIAS
1. Kessler RC, McGonagle KA, Zhao S, Nelson CB, Hughes M, Eshleman S, et al. Lifetime and 12-month prevalence of DSM-III-R psychiatric disorders in the United States: results from the National Comorbidity Survey. Arch Gen Psychiatry. 1994;51(1):8-19.
2. Kessler RC, Berglund P, Demler O, Jin R, Merikangas KR, Walters EE. Lifetime prevalence and age-of-onset distributions of DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry. 2005;62(6):593-602.
3. Kessler RC, Chiu WT, Demler O, Merikangas KR, Walters EE. Prevalence, severity, and comorbidity of 12-month DSM-IV disorders in the National Comorbidity Survey Replication. Arch Gen Psychiatry 2005;62(6):617-27.
4. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders – DSM-IV. 4 th ed. Washington, DC: APA; 1994.
5. Benyakar, M (2003) Lo Disruptivo: Amenazas individuales y colectivas, Buenos Aires, Editorial Biblos.
Benyakar Moty, M.D; Ph.D. (Buenos Aires) Presidente da ‘Rede Internacional de EcoBioética para Educação, Ciência e Tecnologia’. Representante da Unesco para EcoBioética. Presidente da Seção de Psiquiatria dos Desastres da Associação Mundial de Psiquiatria.
6. Thomé, JT (2009) Intervenções em Situações Limite Desorganizadoras, RJ, Editora