“Efeitos colaterais“ da Pratica Médica em seus Profissionais
Em nosso dia a dia, tornou-se comum ouvirmos a expressão “estresse” para explicar situações, sintomas e, não raro, alguns sentimentos que não nos agradam. E nas últimas décadas do século XX, a cultura popular impôs a disseminação do diagnóstico Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), como ultra-abrangente. Com o tempo, estresse e trauma, foram assimilados pelo imaginário popular, e traduzidos, respectivamente, como: reação emocional exaltada que caracteriza convivência cotidiana e enfrentamento de situações desagradáveis; e vivências provocadas por alguma situação violeta, identificada como traumática
O conceito errôneo relacionado à situação traumática, ainda se desdobrou em novo erro relacionado às outras patologias que se “desenvolvem“, simultaneamente, ao TEPT. E sabendo que o diagnóstico de TEPT é admitido baseado na classificação da observação de sintomas e não na compreensão de sua origem emocional, torna-se fácil compreender porque o mesmo apresenta comorbidade entre 70 e 80% junto às outras patologias, provocando imprecisão e engano no diagnóstico principal.
De fato, não existe situação ou evento traumático. Existem situações ou eventos disruptivos que poderão, ou não, ser potencialmente traumatogênicos para cada uma das pessoas envolvidas. O traumático é um fenômeno que poderá ocorrer na mente ou psiquismo do ser humano e isso em função da sua subjetividade.
Há décadas, pesquisadores de vários países membros da Cátedra UNESCO de Bioética, desenvolvem pesquisas e intervenções, empíricas e clínicas, acerca do que se entende como “O Disruptivo” e sobre os tratamentos empreendidos em patologias a ele interligadas. Ao mesmo tempo, também dedicam atenção ao crescente contingente humano são, regularmente exposto em situações disruptivas, e por isso propenso ao adoecimento emocional.
Situações disruptivas são compreendidas como eventos provocados por desastres naturais ou antropogênicos, que podem desencadear reações emocionais negativas e até adoecimento, em pessoas sãs, sem qualquer histórico de problemas em Saúde Mental. Por exemplo: populações expostas à violência urbana, conflitos armados, crises econômicas, categorias profissionais que mantém equipes trabalhando permanentemente em ambientes insalubres, e os novos fenômenos que a cultura contemporânea estabelece, entre eles a “Incerteza”.
A influência que o ambiente exerce sobre as pessoas, individualmente ou em grupos, é parte indissociável da formação e manutenção do equilíbrio emocional de cada ser humano. E, muitas vezes, a prática da medicina coloca os profissionais de Saúde diante do enfretamento cotidiano de situações desorganizadoras, em que o seu equilíbrio emocional é provocado e se desestabiliza.
Nessas situações, em função da pressão externa exercida sobre as suas limitações emocionais e físicas, os questionamentos subjetivos podem ir muito além das avaliações sobre satisfação na vida privada e cumprimento de responsabilidades profissionais. É comum que sejam questionados, entre outros: a capacitação emocional oferecida aos profissionais da área durante a sua formação; o potencial de adoecimento psíquico que existe nas atuais unidades de trabalho em Saúde; o modelo de atendimento orientado pelas seguradoras; e a gestão corporativa praticada em cada centro de atendimento.
Ao observar a realidade a que estão submetidos muitos profissionais da área de Saúde, fica evidente a necessidade de lhes oferecer acompanhamento em Saúde Mental para minimizar o potencial de adoecimento que existe em seu entorno. São recorrentes os relatos sobre problemas para dormir, automedicação desnecessária e/ou uso de álcool como medicamento, nas horas de folga, instabilidade nos relacionamentos pessoais, agressividade, e desconforto nas relações entre profissionais e pacientes, e entre profissionais e gestores; entre muitas outras situações.
São muitos os indicativos de que o cotidiano profissional das pessoas que trabalham em Saúde tende a consumir a sua energia e equilíbrio emocional, reduzindo progressivamente a sua qualidade de vida. E ao trocar experiências entre colegas, necessidades, expectativas e angústias se mostram coincidentes. Entretanto, não basta apenas externar conflitos. Entre as inúmeras maneiras que podem ser encontradas para suplantar tais condições, algumas poderão significar equilíbrio instável. E é indispensável que essas pessoas recebam auxílio profissional para compreender quais atitudes podem prejudicá-las, e quais irão beneficiá-las.
Os postulados da Cátedra UNESCO de Bioética estabelecem as relações da Medicina com as leis jurídicas implicadas na ética dos tratamentos das doenças. E a perspectiva da Ecobioética (Benyakar/2005) foi desenvolvida a partir do entendimento sobre o conceito Saúde podendo também representar condição saudável para qualidade de vida do ser humano são, exposto em ambientes adversos, e que necessita ser assistido para não adoecer.
Atualmente, é consensual que estabelecer caminhos que proporcionem Qualidade de Vida à população é o objetivo final também dos profissionais dedicados à Saúde Mental. Afinal, Saúde Mental é sinônimo de equilíbrio, prazer e felicidade, e não de doença. E diante da percepção transdisciplinar das diferentes realidades que oprimem grupos de pessoas em lares, comunidades e ambientes corporativos, a admissão do conceito e as práticas desenvolvidas pela Ecobioética para assistência preventiva, ganham espaço a cada dia.
Assim como já é consenso no campo das políticas públicas, que combater o aumento no consumo de tabaco, é mais eficiente e econômico que tratar pessoas que adoecerão em consequência desse vício. Também em Saúde Mental, admite-se que é necessário agir preventivamente junto às comunidades expostas às situações disruptivas, antes que haja adoecimento psíquico e/ou físico.
Nem sempre o agente estressor do entorno pode ser identificado e isolado em um evento ou período limitado ou mesmo admitido como situação adversa finita. Muitas vezes, cotidianos disruptivos integram o ambiente dos profissionais em áreas específicas. Portanto, é necessário oferecer defesas para que essas pessoas não sejam tão afetadas pelo ambiente que as cerca, e que não será facilmente transformado.
Baseado nas experiências vivenciadas através da Ecobioética, é seguro afirmar que a partir do momento em que profissionais expostos em realidades adversas permitem-se reunir para externar suas angústias e trocar informações, regularmente e sob a supervisão de especialistas, cada indivíduo conquista a oportunidade de não só aprender como usar mecanismos individuais de defesa emocional durante o cotidiano profissional, como também ter acesso às respostas para angústias que os afligem.
Esse modelo de conduta poderá ser adotado institucionalmente, pois representa benefício pessoal para cada indivíduo da equipe, e contribui significativamente para a harmonização de toda a estrutura de trabalho corporativo.
José Toufic Thome
Psiquiatra-Psicoterapeuta (ABP/AMB)
CRM 16619